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Conto premiado no Concurso Mário Clímaco, da Academia de Letras, Ciências e Artes de Ponte Nova/MG (2019)
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“Os amores do herói”, diz conto de cientista sobre o vulto Cabralzinho

João Wilson Savino Carvalho*

Betral

Olhava pensativo para a estátua do herói do Amapá, o Cabralzinho, colocada em um pequeno monumento próximo às margens do Rio Amapá, na plácida cidade de Amapá, no Estado de mesmo nome, e até assustou-se quando percebeu a presença do velhinho, parado bem ao seu lado, fazendo uma pose igual à sua, e que, sem mais nem menos, lhe dirigiu a palavra:

– Prazer, Eusébio, ao seu dispor! Qual é sua graça?

– Bom… Eu sou Carlos Souza, pesquisador…

– Ah! Que bom, é um homem da ciência… Admiro muito e fico feliz de ver um pesquisador de perto… Mas, me diga, está pesquisando sobre o Cabral?

– É… De certo modo posso dizer que sim… Estou preparando uma tese, mas…

– Bom, pelo seu semblante, posso ver que o negócio está meio encalacrado, né? Pois bem, você encontrou a pessoa certa: eu sei tudo sobre Cabralzinho!

– rsrsrs… Sabe tudo, é? O senhor é bem antigo, mas não parece que seja do tempo do Contestado…

– E seu eu lhe dissesse que eu tenho a espada do capitão francês? A mesma com a qual ele foi morto por Cabralzinho?

– Ah! Aí eu ia dizer que você era dono de um pequeno tesouro histórico…

– Pois é! Eu achei quando cavava um poço em um terreno meu. Como o senhor deve saber, o combate não foi realmente aqui, como leva a pensar esse monumento… Bom, mas vamos ao que interessa. Eu guardei muito tempo essa espada, mas agora estou aperreado e quero vender. Interessa?

– Bom… É difícil de acreditar, mas não custa dar uma olhada…

E lá foram os dois na direção do casebre onde, depois de uma mínima demora, o velhinho surgiu com um longo pedaço de ferro enferrujado embrulhado em papel grosso.

– Sei não… Está tão enferrujado… Podia ser até o pontão da igreja… Ou quem sabe um espadim da Guarda Territorial do Amapá…

– Ah! Mas o caso é que tenho a história! Quer ouvir?

– Claro que quero! Mas não aqui. Vamos ali naquele barzinho… A cerveja é por minha conta…

– Pode ser uma dose da branquinha?

Mal sentaram o velhinho desandou a falar:

– Foi tudo por causa de mulher, meu amigo! Começou o velhinho.

– Como é que é? Todo aquele massacre por causa de mulher? E como é que você soube disso?

– Histórias que passam de pai pra filho. Meu tataravô fez parte do Exército Defensor do Amapá, organizado pelo Cabralzinho para defender o Amapá da cobiça dos franceses!

Segundo o contador de histórias, Cabral era um homem pequeno, mas que, em algum momento de sua vida, tinha ouvido de alguém que os maiores líderes políticos ou militares são homens de pequena estatura física e grande força de vontade.  Por isso, tão logo deixou o exército, veio à vila chamada de Espírito Santo do Amapá, um pedaço esquecido da Província do Grão-Pará, onde ele imaginava fazer fortuna.

Cabral teria sido atraído por historietas de aventureiros que falavam em uma grande quantidade de ouro na região dos rios Cassiporé e Amapá Pequeno, e também porque soube que essa terra logo estaria no centro de um conflito entre o Brasil e a França, e das possibilidades políticas para alguém com coragem e habilidade para navegar em águas tormentosas. Chegando ao Amapá, Veiga Cabral começou com um pequeno comércio, limitado pelos poucos recursos que possuía para investimento, e logo no começo, pensou em desistir e tentar em outro lugar.

– Ele só não foi embora porque duas coisas fizeram com que ele mudasse de ideia e fixar-se a qualquer preço na Vila de Amapá: uma bela negra chamada Teresa e um negro prepotente chamado Trajano, que tinha sido escravo e que tinha muitas relações com os franceses. Tereza era filha órfã de escravos de um português chamado Manoel Branco, que acabou ficando na casa do português, mas que todo mundo dizia que era amante do Trajano.

– Mas se ela já era do Trajano, o que queria o Cabralzinho com ela?

– Cabralzinho, assim que colocou os olhos em Tereza se apaixonou, e logo se tornou inimigo fidagal de Trajano. Essa região era o contestado franco-brasileiro pelo qual nem Brasil nem França davam muita importância, mas quando apareceu o ouro, logo começou a ser disputada. Ora era o representante francês que proibia os garimpos brasileiros, ora o representante brasileiro proibia os garimpos de franceses.

– E o Cabral, como entrou nessa história?

– Ele era baixinho, mas era esperto e falava muito bem, logo deu um jeito de se introduzir no governo do Contestado visando dar um chega pra lá em Trajano. Por isso se juntou com o Cônego Domingo Maltez e com Desidério Antônio Coelho, formando uma junta de governo, chamada Triunvirato, e ainda criaram um exército, e foi onde entrou a experiência militar de Cabralzinho, que aproveitou pra mandar logo prender o Trajano, querendo ficar com a Teresa… Bom, o resto todo mundo sabe, o Governador de Caiena mandou uma canhoneira até a Vila, os brasileiros resistiram, Cabralzinho matou o comandante francês com a própria espada dele e dai veio o massacre de brasileiros, com mais de duzentos mortos…

– Duzentos? Tudo isso?

– Bom, não sei, mas pelo menos cem tenho certeza! E pior, na sua maioria, velhos, mulheres e crianças…

– E a espada?

– Bom, a espada o Cabralzinho, com medo de uma nova intervenção francesa, enterrou atrás da igreja, da antiga, justo onde depois veio a ser meu terreno…

– E Tereza?

– Bom, foi por causa de Tereza toda essa confusão. Como o português foi morto na batalha e o Trajano foi levado pelos franceses, ela ficou livre. Logo no começo Tereza não queria, mas um dia Cabralzinho contou a ela que ele iria ao Rio de Janeiro mobilizar o governo contra as investidas francesas no Contestado e ela, claro, se apaixonou na hora por ele. Cabralzinho acabou virando herói e ainda ficou com a negra que era amante de Trajano.

– É… Realmente, deu tudo certo pra ele…

– E então, vai comprar a espada? É só cem reais…

– CEM! Caramba! Não. Mas gostei da história, me deu um monte de ideias para orientar minha pesquisa…

– Compre, amigo! Estou aperreado! Tirou então uma receita médica em papel sebento, dizendo:

– Tenho que comprar esses remédios! Vá lá, deixo por cinquenta! Trinta, Então.

– Tudo bem, vá lá, valeu pelas ideias… Toma ai trinta.

E quando o velhinho já se afastava na direção de outro boteco, o pesquisador lembrou e chamou:

– Sim, e a espada?

– Vou levando… Preciso dela pra levantar o resto do dinheiro da receita…

O autor

João Wilson Savino Carvalho Foi professor do Instituto de Educação do Amapá – IETA (Curso de Formação de Professores) e no Núcleo de Educação da UFPA, em Macapá. Exerceu funções de Diretor e Gerente Regional na Legião Brasileira de Assistência – LBA/Superintendência do Amapá; Taquígrafo Judiciário no Tribunal de Justiça/JAP, Coordenador do Curso de Direito/UNIFAP, Coordenador do Curso de Especialização em Gestão Fazendária/UNIFAP, Vice-Reitor e Procurador-Chefe da UNIFAP. Atualmente é professor de Filosofia na Universidade Federal do Amapá – UNIFAP, onde desenvolve atividades de ensino, pesquisa e extensão na área de Educação.

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