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Antônio Feijão: “Amazônia: de onde viemos e para onde Vamos?”

Antônio Feijão*

Há mais de quatro décadas, vivendo em nossa amada Região Norte, tenho testemunhado muitas antropias da floresta sem gente para cidades sem florestas. Na maioria das vezes, essas transformações foram marcadas por conflitos onde a primeira luta era sempre travada entre a floresta e o homem, ambos na busca de sobrevivência. A Floresta quase sempre tombava diante das esperanças e necessidades de sobreviver dos amazônidas.

Nesses mais de sessenta anos, do início daquela insensata marcha de ocupação institucional para a Amazônia, tivemos poucos resultados animadores e grandes tragédias socioambientais, agora reveladas pela chegada de infraestrutura e tecnologia de comunicação na Amazônia. Todos sabemos que é ilegal praticar atividade garimpeira em Terras Indígenas. Mas, e por que, a Agência Nacional de Mineração não cumpre a Constituição Federal e autoriza a atividade garimpeira constitucionalmente permitida e fora das Terras Indígenas?

Nesse paradoxo amazônico nasce a grande questão: como uma região com grandes riquezas, baixa demografia e amplas plataformas naturais logísticas pode caminhar numa trilha que se estreita a cada dia e, por que não dizer, numa ilha federativa sem diretos, sem esperanças e quase sem futuro.

Pela Constituição de 1988, “todos tem direito ao devido processo legal e a ampla defesa”. Na atual condição política do Brasil, na Amazônia, não há nem processo pois os meios são sumários: aviões com autorização de matar e destruir a vida e bens dos nacionais. Temos um corte raso, extinção sumária dos Direitos Humanos desses brasileiros, que foram tangidos e chamados pelo próprio Brasil, no início da Década de 1960 como mata-borrão da pobreza rural do Nordeste, desemprego estrutural do Sudeste e, no início da década de 1980 depois do colapso de Serra Pelada e Garimpos do Madeira, para acomodar mais de 200mil garimpeiros.

Viveremos tempos difíceis e toda essa via inconstitucional chegará a cada um e a todos…. Quem viver verá.

Poderíamos dissertar, páginas e páginas, sobre a grave crise de emprego tecnológico que se transforma num mal atmosférico do planeta terra ou das questões locais da falta de saúde de qualidade, educação ou da falta de investimentos na geração de trabalho para implantar e viabilizar novas economias duráveis em nossa Amazônia.

Nesse momento da grave crise humanitária das sociedades imemoriais Ianomami tanto do Brasil quanto da Venezuela, é preciso serenidade e uma dose maior de reflexão dos meios de guerra que o Estado Nacional Brasileiro escolheu para a desintrusão dos brasileiros das Terras, hoje ditas Indígenas Ianomami. Escolhi como tema principal o direito de ser igual, de ser brasileiro e de ter direitos. E neste cenário de atrocidades federativas estamos perdendo também o direito de ter nossa cultura e até o de nossa própria história.

Não se discute a falta de amparo para atividade garimpeira, na forma do disposto no Art. 174 §§ 3º e 4º, em terras indígenas, como está posto, e com muita clareza, no Art. 231, §7º, da CF/88 que proíbe essa forma de mineração nas Terras Indígenas.

Não há como aceitar a atividade garimpeira em terras indígenas. Essa proibição é constitucional! O que se questiona é, como os Governos do Brasil, entre os anos de 2002 a 2018, não regularizaram as atividades garimpeiras fora das Terras Indígenas? E, por que, decretaram mais 50 novas Unidades de Conservação em cimas das áreas de atividades garimpeiras e que não estavam inseridas em Territórios Indígenas? Mosaico do Calha Norte, Mosaico do Tapajós, Mosaico da Terra do Meio, Mosaico do Alto Rio Negro e Mosaico da Br 319.

Onde era permitido o Estado tornou “a mineração tradicional garimpeira”, atividade retrospectivamente criminalizada em consequência da criação desses megas mosaicos de unidades de conservação e, ironicamente, onde é constitucionalmente proibido essa atividade, nas Terras Indígenas, os Governos foram OMISSOS e deixaram tudo correr num “laissez faire, laissez passer”, ou seja, deixa fazer…

Agora, após mais de quatro séculos de ocupação da Amazônia, nos levam a última saga de nossas vidas: … a liberdade de viver para onde nossa alma nos levou. Hoje, como nos tempos do Collor, nos parece que o executivo federal se submete à pressão dos países ricos, igreja, ONG’s ditas progressistas e redes de comunicação do Tio SAM, tocadas pelo fogo da ganância, novos deuses do planeta e que mais cedo ou mais tarde indicarão sem piedade onde poderemos viver e de quais formas deveremos sobreviver.

O Apocalipse da Amazônia será marcado pela inanição de suas economias, desantropização de suas sociedades, domínio bélico e geopolítico.

Esse balé de insensatez, produzido nas alcatifas de Brasília, levou o  Estado Nacional a autorizar e viabilizar a vinda de legiões de nordestinos e outros brasileiros do Sul e Sudeste, a adentrarem a Grande Hileia, sem assistência técnica,  apoio adequado ao grande desafio entregando à Floresta, brasileiros que chegavam “nus” de cultura amazônica para, conviver e viver, em harmonia com as sociedades locais muito pobres e povos imemoriais.

Todos esses migrantes institucionais, sem preparo ou treinamento para produzir e desenvolver atividades econômicas compatíveis ao Bioma e em equilíbrio às forças da “Grande Hileia de Humboldt”, foram jogados na “mata”.

Uma tragédia anunciada que se revelara, um a dois anos depois da chegada deles, verdadeiros “laboratórios agrários”, revelando a agressividade do clima, a complexidade dos solos e as doenças tropicais intrínsecas da floresta que os abatia, pois aqueles brasileiros não detinham conhecimentos das regras naturais desse bioplaneta, onde ela (Amazônia) marca  o tempo de nossa existência, vivência e sobrevivência.

As pegadas geosociais e ambientais dessas rodovias federais, projetadas e outras efetivamente em abertura, rasgaram a grande floresta para dar passagem à essa procissão de  peregrinos da esperança patriótica. Nas cidades e interior, onde ainda se pode encontrar alguns pioneiros, dos seus depoimentos se colhe uma verdadeira história de amor e patriotismo sempre dita com muito e merecido orgulho, de ser parte dessa verdadeira tragédia, construída quase toda no Diário Oficial da União (DOU). Foi a decretização pela União da maior parcela da destruição do Bioma Amazônia. O combate em Roraima com armas de Guerra está sendo feito por quem deu causa e, é o próprio efeito, Estado.

Não se pode deixar de ter orgulho da coragem e do patriotismo desses homens e mulheres, que mesmo sem o mínimo conhecimento e cultura da região, à época, sozinhos, desenvolveram uma via de sobrevivência produzindo conceitos culturais próprios ou evoluídos e conhecimentos aprimorados que permitem às novas gerações, caminharem e viverem bem na grande floresta.

Mas como muito bem nos ensinou a escritora Bárbara Tuchman, em sua bela obra a Marcha da Insensatez: “…pois não se deve julgar os homens do passado com os conhecimentos e cultura dos homens do presente”.

Todo esse caminhar findou produzindo alguns conflitos positivos e outros negativos que não podemos e não devemos julgá-los inquisitorialmente ao cadafalso da pena capital. Repetindo o início dessa marcha da insensatez, marcada por algumas tragédias econômicas e sociais, criadas em Brasília, desde o final da década de 1950.

A “Guerra Ianomami”, onde todos serão vítimas de uma imponderação política, será marcada pelo ódio ideológico e tocada pela fúria eleitoral de uma eleição que já se passou. O Estado de Roraima está preso numa singularidade de fúria da União, que precisa ser urgentemente abrandada, sob pena de grave violência ao pacto federativo.

O Brasil terá a si mesmo como vítima de “Guerra” que  produzirá marcas indeléveis derivadas desse conflito sem paridade de armas entre os pobres brasileiros, a União e os refugiados da Venezuela, índios e não-índios, vítimas de uma tragédia onde não se sabe se para a “proteção da natureza ou em defesa dos famélicos Ianomami”.

Temos que aprender com todos os ensinamentos dessas tragédias, acertos e erros dos governos do Brasil nos últimos 60 anos, melhorar os agentes e motores de desenvolvimento locais e regionais, produtores do bem-estar social desses brasileiros, que pelo que lhes será aplicado em Roraima e, em breve, em outros Estados da Amazônia, vamos construir uma sociedade de subcidadãos, sem direitos humanos e tratados como inimigos do Estado. Se o Congresso Nacional não reagir logo, “A Guerra de Roraima” revelará, um tsunami geopolítico que destruirá o Estado Democrático de Direito das sociedades locais e tradicionais da Amazônia.

Há muito a se fazer, especialmente, mediar os piores dos males, que são os derivados no palco da realidade quando, o Estado promove acertadamente, uma desintrusão nas áreas patrimoniais indígenas, bem amparado na lei maior, mas caminha em direção a um grande erro, pois não sabe o que fazer com milhares de brasileiros que serão refugiados ou “imigrantes ideológicos, dentro de seu próprio país.

Uma ação dessa magnitude, a história tem nos revelado que o seu começo é midiático e feita pela União, mas a decantação dessas desgraças se fará lentamente nos municípios e nos Estados, onde ocorrem quase sempre esses conflitos, promovendo danos sociais e ambientais ainda maiores e mais abissais.

Essas intervenções ceifadoras, para extinguir temporariamente tais resilientes economias de bens ambientais na Amazônia como extração de minérios, produtos florestais, pesca, entre outras, as novas economias já criadas por erros da União, mas mantida pela “OMISSÃO” dos muitos governos já passados, sempre retornam aos mesmos lugares. Assim, nasceram as muitas Organizações “pouco” republicanas do “Narco Metais”, que poderão dominar as sociedades imemoriais, utilizando intensivamente a mão-de-obra indígena.

Logo que passar algum tempo de sua desintrusão, no metafórico “Day After”, essas atividades, lentamente, se reativam em detrimento das questões assimétricas socioeconômicas entre o Brasil e os  nossos vizinhos fronteiriços, ausência de políticas públicas socialmente eficazes e com economias sustentáveis e sustentadas, e, também, em consequência das atuais e vantajosas condições econômicas dessas comodities e da nova autogenia econômica nascidas secularmente das relações comerciais entre as comunidades locais com as sociedades imemoriais.

Sempre haverá retomada dessas relações pois, o Estado nunca teve competência para impor às economias da floresta, escala e economicidade de mercado. As sociedades tradicionais e imemoriais na Amazônia exploram suas riquezas do mesmo modo que o faziam quando os colonizadores aqui chegaram.

A necessária defesa das frágeis sociedades imemoriais, a implantação de regras infraconstitucionais bem debatidas para o correto e formal uso dos recursos ambientais, seu legítimo domínio e a definição dos direitos ao acesso pelos indígenas a essas riquezas do solo que são exclusivas deles e as demais que são, de todos nós, brasileiros.

Talvez essa seja a mais cruel de todas as ocupações institucionais que foram as criações dessas áreas patrimoniais reservadas aos imemoriais, com destino originário menos ao bem-estar dos indígenas, e subliminarmente dirigidas às funções geoclimáticas e midiáticas, quase sempre criadas sem estudos e sem um mínimo de respeito às sociedades locais e tradicionais, já existentes nessas áreas.

A cidadania nesses locais, é um inquilino discreto que muito raramente se vê.

O Brasil, na Amazônia, precisa devolver aos filhos da Grande Floresta, a reconstrução de sua cidadania, usurpada pelas ações dos conquistadores e pelas gestões ditas republicanas, quase sempre com desastrosos atos e realidades decretados pela União. Agora é tempo de socorrer os Imemoriais e os outros nacionais, todos vítimas dessa omissão do Brasil.

Como retratado no artigo anterior, o debate sobre as atividades garimpeiras tradicionais, a questão do etnodesenvolvimento e uso de economias de escala nos territórios indígenas, caminham numa procissão de cegos e de costas paras as realidades desconcertantes, quase todas produzidas pelo Estado e publicadas no Diário Oficial da União.

O apocalipse indígena vem sendo decretizado pela própria União e, ultimamente, pelos inimigos invisíveis e pelo distanciamento do Poder Judiciário. Sentenças não revelam realidades, apenas anunciam a passagem de tragédias. O futuro se distancia de nossas esperanças pois estamos todos nós, julgados por quem jamais conferimos este direito.

Msc.  ANTONIO FEIJÃO

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