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O músico e professor Carlitão, que também é um ativista social com seus projetos | Foto: Secom/GEA
Entrevista

“A proposta de Carnaval que defendo é a volta às origens, carnaval de rua”

O músico Carlitão, líder da Banda Placa, depois de superar um drama pessoal, relacionado à saúde está de volta à cena. Este mazaganense faz jus à resistência e fibra de seus ancestrais que vieram habitar esta parte da Amazônia e dá a volta por cima, premiado pelo Ministério da Cultura pelo trabalho de pesquisa e perpetuação das tradicionais representações culturais do Amapá. Suas pesquisas, especialmente sobre o Batuque, o Marabaixo e até a reza de Ladainhas feitas por representantes da tradicional Vila de Mazagão Velho, agora ganham o registro em vídeo. Professor de educação física, funcionário público obstinado, mesmo com todas as limitações, conseguiu saltos enormes pelo vínculo histórico com a cultura afro-amapaense e até mesmo o resgate do Carnaval.

Cleber Barbosa, da Redação

Portal CB – Carlitão você acabou tomando um grande susto quando passou por um grave problema de saúde que soubemos está superando. E a carreira já retomou?
Carlitão – Sim foi um grande susto realmente, que felizmente com a ajuda de Deus, dos médicos e o apoio da família e dos amigos estamos superando sim. O pior já passou podemos dizer e estamos retomando a carreira e os projetos da banda e também dos projetos sociais.

Portal – Como surgiu a Banda Placa?
Carlitão – A banda foi criada em março de 1983, portanto ao completar os seus trinta anos nós trabalhamos um projeto para celebrar nossa entidade, pois com o passar do tempo acabamos criando a Associação Cultural e Social Placa, que era onde nos daria todo o apoio jurídico para que nós pudéssemos desenvolver algumas atividades pelo grande número de projetos que a Banda Placa produzia.

Portal – Que tipo de projetos?
Carlitão – Em 1983, já no primeiro ano de criação da banda, nós criamos um projeto que era “A vida e a obra de Paulo Diniz”, que a gente já fazia shows dentro das escolas. Ainda no mesmo ano, já no final de 1983, no Ginásio Paulo Conrado, nós fizemos um projeto que ficou três anos em cartaz, que foi o “Roque Luz”, inclusive nós temos todo o acervo dele. E assim foi acontecendo, tanto que em janeiro de 1984 nós criamos um grande projeto de carnaval, que se chamava “Carnaval do Povo”, que também já passou dos trinta anos.

Portal – Então essa coisa de tocar projetos sociais vem de longa data, não é?
Carlitão – Exatamente, então praticamente o Placa viveu muito de criar projetos e executar projetos. Um deles era voltado para os CDs da Banda Placa, que a cada ano a gente gravava um disco e levava para dentro das escolas, com letra, com planejamento pedagógico, ou seja, a gente tinha uma proposta pedagógica mesmo. Sobre essa história atual, da realidade do palmito, no primeiro CD nosso tem uma música chamada “Amassadeira”, uma composição do Bebeto Nande, que contava uma história, a sinopse dessa música já dizia que era bem melhor você incentivar as pessoas a tomar o açaí do que derrubar o açaizeiro, mas que da palmeira do açaizeiro você aproveita tudo, desde a parte da Jussara, que se utiliza nos assoalhos, como parede e o próprio cacho do açaí depois que você utiliza, que o caboclo chama “debulhar”, que é a retirada do fruto, fica aquela vassoura, que serve para varrer o chão das casas e os terreiros.

Portal – Um mergulho na realidade regional, coisa genuinamente amapaense, é isso?
Carlitão – Isso, a música conta a história de uma máquina chamada amassadeira e que depois passou a ser chamada vitaminosa. A gente conta que o açaí aqui na região norte, especialmente Pará e Amapá, tem uma marca muito mais forte do que a Coca-Cola. Hoje você mandar um garoto ver se tem açaí ele vai à esquina e olha se tem aquela bandeira vermelha.

Portal – É o nosso marketing mais tradicional não é?
Carlitão – Isso, são coisas bem características nossas e que a Banda Placa sempre teve essa preocupação de ir trabalhando essas questões e incorporar em uma proposta de trabalho musical.

Portal – Me permita voltar um pouco na história da banda, mas em 1983 por uma questão de sobrevivência as bandas locais tinham é que fazer os grandes bailes, ensaiar e tudo mais. Não sei qual era a sua situação financeira, mas como era tocar esses projetos de cunho social?
Carlitão – Nós pertencemos ao grupo Os Setentrionais. Tocamos muito no Carnaval de 1983 e de lá nós decidimos sair pela necessidade de trazer propostas diferentes para a música amapaense. Só que naquele ano eu estava morando em Recife e decidi vir para Macapá, depois de ter sido demitido do Sesc na época.

Portal – Era comerciário?
Carlitão – Era, mas sou formado em Educação Física e trabalhei nessa área no Sesc, de 1980 a 1983.

Portal – E como músico, era autodidata?
Carlitão – Isso, isso mesmo.

Portal – Tocava que tipo de instrumento?
Carlitão – Não, na verdade eu toco violão só para mim hoje, na banda eu sou apenas vocalista. Mas voltando, quando eu vim de Brasília trouxe uma proposta muito boa de carnaval, com uma formatação muito diferente de carnaval de rua, uma coisa que até então Macapá não tinha. Foi então que no início de 1984 a gente implantou essa proposta de carnaval de rua voltado para a inclusão social realmente.

Portal – Qual o público-alvo?
Carlitão – Dar acesso à comunidade que muitas vezes não tem dinheiro para comprar um ingresso, uma mesa, afinal naquela época nós tínhamos um carnaval fortíssimo no Círculo Militar, mas era carnaval de salão.

Portal – Bem, mas hoje em dia essa situação se consolidou e vocês já contam com o apoio institucional até mesmo do governo federal, como foi isso?
Carlitão – Nós participamos em 2009 de um edital [de subvenção] do Ministério da Cultura que foi trazido a Macapá através do então deputado Evandro Milhomen, quando o Estado do Amapá abriu editais e a nossa entidade foi contemplada com um Ponto de Cultura. Os recursos vieram no final de 2009, na ordem de R$ 40 mil, e nós então instalamos o nosso Ponto de Cultura dentro de Mazagão Velho.

Portal – O que foi feito lá então?
Carlitão – Nós fizemos uma doação já em 2010 para a comunidade através de uma entidade que se chama Raízes do Marabaixo, que é onde fica o nosso ponto de cultura, uma doação de um recurso de R$ 20 mil todo ele voltado para a aquisição de um kit de informática e audiovisual, formado por dois computadores, dois notebooks, retroprojetor, data-show, impressora, máquina fotográfica, filmadora, caixa amplificada, onde a comunidade não tem mais aquela dependência nossa para filmar, de fotografar, afinal eles mesmos estão produzindo a cobertura do trabalho deles.

Portal – E os resultados vieram como esperado?
Carlitão – Sim, melhorou muito. Porque a gente sabe que é uma comunidade carente e achamos que ali funcionaria muito bem. Em 2012 nós entregamos para a comunidade em torno de 240 vídeos, que foi um trabalho de pesquisa do Placa, e que já vem com a logomarca Ponto de Cultura.

Portal – O que tem nestes vídeos?
Carlitão – São entrevistas com várias pessoas, algumas que até já faleceram, de Mazagão. Nós repassamos 800 cópias deste CD com o grupo Raízes do Marabaixo, uma parceria com a Banda Placa desde 1997, que foi quando levamos de volta para Mazagão Velho a festa de fundação da Vila, pois fazia mais de 60 anos que essa festa não acontecia mais dentro da comunidade, o que representava uma grande decepção para aquele povo, que desde a criação do município, com a Intendência eles comemoravam lá no Mazagão Novo, quando a criação do município de Mazagão Novo se não me engano é 13 ou 15 de novembro, portanto nada a ver com 23 de janeiro [data oficial de Mazagão Velho]. Foi aí que entrou a Banda Placa, desde 1997, com um trabalho de pesquisa que já produziu o terceiro CD, com músicas de dentro da comunidade.

Portal – Parabéns por ajudar a perpetuar toda essa tradição da cultura amapaense.
Carlitão – Nós é que agradecemos e nos colocamos à disposição para acessar todo o acervo que juntamos resultado de muita pesquisa e dedicação.

Perfil…

Entrevistado. Carlos Augusto Gomes, o Carlitão, tem 61 anos de idade, é amapaense de Mazagão, pai de três filhos. Buscou formação acadêmica com Licenciatura Plena em Educação Física, pela Universidade Federal do Pará (1982), com uma Pós-Graduação em Magistério Superior pelo IBPEx (2005); trabalhou no Sesc por três anos e atua profissionalmente na Escola Estadual Alexandre Vaz Tavares há 15 anos. Paralelamente tocou carreira como músico, atuando em bandas como Os Imitáveis e Os Setentrionais, até fundar a Banda Placa, que além da música cuida de projetos sociais e de resgate às tradicionais festas populares como batuque, marabaixo e a reza das ladainhas seculares na vila de Mazagão Velho.

 

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